O Supremo Tribunal Federal (STF) se despede nesta semana do ministro Ricardo Lewandowski. Após 17 anos à frente do cargo, o magistrado anunciou sua aposentadoria para 11 de abril. A situação aquece a discussão sobre as futuras indicações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), coloca no centro do debate possíveis falhas, mudanças e brechas nas sabatinas no Senado e traz de volta o tema da aposentadoria compulsória. Na contramão de Lewandoswki, que antecipou sua aposentadoria em um mês, há quem defenda a instituição de cadeiras vitalícias no Supremo, seguindo imagem da Corte norte-americana. Para o ex-ministro e ex-presidente do STF Marco Aurélio Mello, que deixou a magistratura em 2021, os nomeados deveriam continuar no cargo "enquanto estiverem vivos ou em condições de bem servir", eliminando o que chama de "cartão vermelho" imposto pela aposentadoria obrigatória. "Se não tivesse mais condições de trabalhar, e me sinto muito bem aos 76 anos, deixaria a cadeira, mas não viraria as costas para a cadeira como muitos colegas viraram", afirmou em entrevista exclusiva ao site da Jovem Pan. O ex-decano, que ocupou cargo na Corte por 31 anos, fruto da indicação pelo seu primo e então presidente Fernando Collor de Mello, também criticou a possibilidade de mandatos fixos, falou em politização do tribunal e admitiu ter se decepcionado pela condução da sua sabatina na Casa Alta. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Ministro, uma das ideias discutidas há diversos anos no Congresso é a possível votação de uma PEC que estipula mandatos para ministros do STF – oito ou 12 anos, especificamente. Qual a avaliação do senhor sobre esta proposta? A nossa Suprema Corte foi criada à imagem da Suprema Corte Americana. E um mandato lá não existe, como jamais existiu aqui. Agora, o que se alcança com a instância do mandato? É a inserção do Supremo na política. Ou seja, aqueles que desejem ser nomeados para o Supremo, farão política, inclusive, quanto à possível recondução. Não vejo com bons olhos essa movimentação de deixar-se o certo pelo duvidoso. Como se buscar boas indicações pelo presidente da República é uma ocorrência da sabatina no Senado e uma vez tomando posse um ministro, o cargo deveria ser vitalício, enquanto vivesse o ministro, enquanto tivesse condições de prestar bons serviços. Nós já temos a compulsória aos 75 anos, que mitiga a vitaliciedade.
Outra possibilidade aventada por parlamentares é de que o próprio STF se envolva na construção deste texto sobre o mandato para a Corte, apresentando ou chancelando a proposta. Como enxerga isso? É uma impropriedade manifesta. O Supremo não está encaixado em qualquer política, seja com o Executivo ou para o Legislativo. Incumbe aos representantes do povo, que são os deputados, aos representantes do Senado, que são os senadores, decidir a respeito.
Na próxima terça-feira, 11, o ministro Ricardo Lewandowski se aposentará da Suprema Corte. Um dos principais cotados para suceder o magistrado é Cristiano Zanin, advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Qual a opinião do senhor sobre esta possível indicação? Ao que tudo indica, o presidente Lula vai repetir o que fez no passado, porque no passado ele indicou, foi sabatinado, nomeado e tomou posse um advogado dele do Partido dos Trabalhadores. Ou seja, o atual ministro Dias Toffoli. A única questão que se coloca, porque a escolha é soberana do presidente da República, é se aquele que ele indica se atende aos requisitos constitucionais: reputação ilibada e conhecimento jurídico. Imagina-se que o advogado do PT, o advogado de Lula, que inclusive alcançou uma vitória inimaginável, ressuscitando politicamente o então ex-presidente, tenha conhecimento do Direito.
Outra discussão que aparece sempre que um ministro é indicado diz respeito à forma como o escolhido é sabatinado pelo Senado Federal. Alguns analistas costumam dizer que as perguntas e as votações, tanto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) quanto no plenário, são meramente protocolares. O senhor vê espaço para alguma mudança neste processo? Na época em que fui indicado, já tinha 11 anos como juiz e quase três anos como integrante do Ministério Público, fiquei um pouco decepcionado com a sabatina. Porque quem capitaneava a mesa apressava os colegas senadores para não fazerem muitas perguntas porque teria uma sessão conjunta, ou seja, uma sessão do Congresso Nacional. Imagina colocar em segundo plano a sabatina? A sabatina precisa ser levada a sério.
O senhor vê caminhos para uma mudança mais efetiva neste sentido? A mudança cultural, a evolução cultural e os próprios senadores perceberem a função deles no ato de sabatinar o candidato. É importante a compenetração. No Brasil, nós não precisamos de novas leis, novas emendas constitucionais. Precisamos de homens, principalmente homens públicos, que observem a ordem jurídica, que observem a Constituição, que a todos submete.
Ainda falando de eventuais mudanças, o Congresso Nacional promulgou recentemente a emenda que elevou de 65 para 70 anos a idade máxima dos nomeados aos cargos de juízes e ministros dos tribunais. Por outro lado, há quem defenda que a aposentadoria compulsória volte para os 70 anos. Qual o pensamento do senhor? O cargo no STF deveria ser vitalício, como é na Suprema Corte dos Estados Unidos, enquanto estiver vivo o nomeado, o ocupante da cadeira, enquanto estiver em condições de bem servir. É o que defendo. Não vejo como passe o cartão vermelho, "vai para casa", aos 75 anos. Eu, por exemplo, fui o melhor juiz nos últimos anos da minha judicatura, em termos de amadurecimento, em termos de acumulação de conhecimento nas diversas áreas do Direito e em termos de formação humanística.
Se o cargo de ministro fosse vitalício, o senhor ainda estaria na Suprema Corte? Não viraria jamais, como muitos viraram, as costas à cadeira. A cadeira é uma cadeira de envergadura maior na República. Entendo que tem envergadura superior à envergadura da cadeira ocupada pelo presidente da República, porque o Supremo tem a última palavra sobre os conflitos de interesse. E aí cada qual deve perceber que a atuação é uma atuação sublime, exigindo a síntese de todas as virtudes, que é a coragem, e desagradando aquele que não tiver o direito apreciado. Não sairia [do STF]. Esperaria a décima hora ou então, se não tivesse mais condições de trabalhar, e me sinto muito bem aos 76 anos, deixaria a cadeira, mas não viraria as costas para a cadeira como muitos colegas viraram.
A Suprema Corte realizou, recentemente, audiências públicas sobre o marco civil da internet. Um dos encontros ocorreu, inclusive, no mesmo dia em que um jovem de 13 anos, que havia anunciado o plano nas redes sociais, invadiu uma escola e matou uma professora. O tema é cercado de polêmicas em razão dos limites da liberdade de expressão. O senhor acredita que as plataformas precisam se responsabilizar pelos conteúdos publicados? Como avançar com essa discussão sem cercear a liberdade de expressão? O bem maior que nós temos no Estado Democrático de Direito é a liberdade de expressão. Estamos em um campo incontrolável. A mentira, por exemplo, deve ser combatida e a responsabilidade é sempre subjetiva a quem pratica o ato, é o que está na Constituição Federal. Mediante a prática de um ato a honra de um cidadão, cabe a responsabilidade e a responsabilidade penal, uma vez não ter como as plataformas exercerem uma curatela em relação aqueles que a utilizam.
Há três meses, o Brasil acompanhou a invasão das sedes dos Três Poderes. O senhor esteve no Supremo por mais de 30 anos. O que sentiu ao ver as imagens de destruição do prédio da Corte no dia 8 de janeiro? 31 anos [no Supremo] e 42 de colegiado julgador, e sempre atuando com muita coragem, segundo a minha ciência, a minha consciência e, acima de tudo, a minha formação humanística. O 8 de janeiro foi algo impensável e decorrente da participação de alguns arruaceiros. Nem todos que estavam ali na Praça dos Três Poderes tiveram comprometimento maior, mas costumo dizer, quando esses eventos ocorrem há a oportunidade ótima de corrigir-se algum desvio de conduta que tenha se verificado. Com a palavra o povo, o povo brasileiro, todo poder vem do povo, inclusive quanto a eleição dos respectivos representantes.
A atuação do STF no caso do 8 de janeiro é elogiada por uns, que veem no tribunal uma espécie de última trincheira para a defesa da democracia, mas criticada por outros tantos, que enxergam abusos na forma como o processo tem sido conduzido. Qual a avaliação do senhor sobre este cenário? A atuação do juiz é uma atuação vinculada ao direito aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado da República. Não consigo conceber uma atuação fora das balizas legais. Devemos lembrar sempre àqueles que elogiam muito atos de força, as palavras de Machado de Assis: "O chicote muda de mão". E a melhor forma de ver o chicote é tendo o cabo à mão e isso é uma grande verdade. Ou seja, o Supremo deve atuar de forma comedida e percebendo que qualquer ato que pratique repercute nos demais patamares do Judiciário e isso gera uma responsabilidade maior para aqueles que ocupam as 11 cadeiras.
O ministro Alexandre de Moraes fixou a competência do STF para julgar os militares envolvidos nos atos de 8 de janeiro, em decisão elogiada, inclusive, pelo novo presidente do STM. O senhor considerou uma medida razoável? Nós temos o código de processo penal militar e o julgamento do militar pressupõe ato em atuação militar ou assemelhada a atuação militar. Pensemos, por exemplo, no envolvimento de um militar, seja ele da base ou do topo, em um desastre de automóvel em que há vítimas. Ele vai ser julgado pela Justiça militar? Não, segundo o Código Penal Militar, ele será julgado pela Justiça comum, pois não estaria em atuação como militar.
O senhor já deu declarações criticando algumas decisões do ministro Alexandre de Moraes. Como avalia a atuação recente do magistrado? Algumas palavras apenas: É hora de tirar o pé do acelerador.
Uma das ações a que o ex-presidente Jair Bolsonaro responde na Justiça, que trata da reunião com embaixadores na qual o ex-mandatário fez ataques ao sistema eleitoral, entrou em sua fase final e há quem garanta que ele se tornará inelegível. Qual a avaliação do senhor sobre este caso? Teme algum tipo de consequência para uma eventual inelegibilidade de Bolsonaro? É pouco, é muito pouco, sob a minha ótica, para chegar a esse ato extremo, que é o ato da inelegibilidade. Ele teve uma reunião com os embaixadores e atuou como presidente da República utilizando o direito de expressão. Tenho que esclarecer que não votei quando ele foi eleito, votei no candidato do PT. Mas eleito presidente, ele exerceu o mandato no estilo dele. Eu, inclusive, em 2017, antes da eleição, fiz uma palestra na Universidade de Coimbra, fechando um seminário e tive que discorrer sobre a tendência de se eleger um presidente de direita. Falei sobre a Polônia, a Hungria, e que temia pelo Brasil eleger como presidente da República o então deputado federal Jair Bolsonaro, que fez a vida dele batendo em minorias. Mas ele foi eleito, foi a vontade do povo e exerceu o mandato, como agora o povo veio a eleger o ressuscitado politicamente pelo Supremo, que foi o ex-presidente e atual presidente Lula, em quem também votei no primeiro mandato e na reeleição.
Ao longo do processo eleitoral, o senhor disse, várias vezes, que votaria no presidente Jair Bolsonaro. Dito isso, qual a sua avaliação sobre os 100 primeiros dias da gestão do petista? Precisamos olhar e olhar realmente com muita atenção para as desigualdades sociais que tanto nos envergonham e buscar implementar políticas públicas, evitando a todo custo que volte a espiral inflacionária, que a todos indistintamente prejudica.
Um dos marcos dos primeiros três meses do governo Lula 3 foi o episódio envolvendo o senador Sergio Moro. Como o senhor viu este caso? Nós devemos dar o crédito à população do Paraná, que elegeu o ex-juiz senador da República. Se houvesse comprometimento maior [de Moro], duvido que os eleitores do Paraná, que é um Estado politizado, teriam eleito o ex-juiz. Ao meu ver, ele só fez um mal: ter deixado a magistratura.
E como as declarações de Lula sobre suposto desejo de vingança do ex-juiz? Quais os reflexos para a política brasileira? Não tem influência. Tudo que é dito pelo presidente da República repercute, mas com o presidente Jair Bolsonaro tivemos uma época em que ele atuava verbalizando coisas que não deveriam ser verbalizadas e acabou morrendo em termos de reeleição pela boca, como um peixe.
Fonte: Jovem Pan