Ainda que a CBF tenha tentado esconder, o técnico corintiano Arthur Elias era a escolha óbvia para substituir a sueca Pia Sundhage no comando da seleção brasileira feminina. O paulistano de 42 anos, oriundo do esporte universitário, comandou o mais bem-sucedido projeto da história do futebol feminino brasileiro. No Corinthians desde 2016 — contando os anos de parceria com o Audax, encerrada no fim de 2017 —, ele conquistou quatro Brasileiros (2018, 2020, 2021 e 2022), duas Libertadores (2019 e 2021), três Paulistas (2019, 2020 e 2021), duas Supercopa do Brasil (2022 e 2023) e uma Copa Paulista (2022). Nas suas mãos, o Timão virou uma máquina de levantar troféus, alcançou recorde de invencibilidade (48 jogos, feito superado pelo Barcelona) e atraiu para a modalidade uma visibilidade impensável até anos atrás. Neste domingo, 10, às 16h, é provável que a Neo Química Arena receba ótimo público, que espera ver a super equipe de Arthur conquistar o penta nacional.
"Espero que, na Neo Química e na Libertadores, a gente possa fazer essa despedida ser feliz para o torcedor corintiano. E para as atletas, né? Esse meu grupo fantástico de jogadoras, que a cada ano têm se mostrado mais maduras, mais eficientes E todo mundo que chega abraça a ideia. Estou curtindo bastante. Trabalhando muito, obviamente, mas saboreando porque a experiência me deu esse direito [de assumir a seleção brasileira]", disse o treinador após despachar o Santos nas semifinais do Brasileirão.
Arthur Elias seguirá no Timão até outubro, mês em que será disputada a Libertadores. O maior objetivo, porém, é o troféu em disputa neste final de semana. Embora bastante cobiçado, o torneio sul-americano não tem o nível de dificuldade do Brasileiro. Em 2019, por exemplo, o continental acabou virando uma espécie de prêmio de consolação após a derrota para a Ferroviária nos pênaltis na final do Nacional. No entanto, apesar do dissabor alvinegro de quatro anos atrás, a supremacia corintiana no duelo com a equipe do interior paulista é impressionante: são 25 vitórias, 5 empates e apenas 1 derrota.
No novo encontro entre as "Brabas" do Corinthians e as "Guerreiras Grenás", pelo menos duas atletas da Ferroviária terão motivos para agradecer ao técnico adversário. Em sua primeira convocação, Arthur chamou a goleira Luciana e a atacante Eudimila. Já do Timão foram nove: as goleiras Leticia Izidoro e Kemelli, as laterais Tamires, Yasmim e Kati, as meio-campistas Luana e Duda Sampaio e as atacantes Gabi Portilho e Jheniffer. O excesso de corintianas gerou críticas, sendo a mais contundente a do comandante palmeirense Ricardo Belli. "Eu só achei estranho ter dez jogadoras do mesmo time na mesma convocatória", disse o palestrino, errando a conta. "Se fosse o Diniz fazendo isso, estava todo mundo dando porrada, ainda mais véspera de uma Libertadores. Mas, feminino, às vezes, é um pouco terra de ninguém."
Arthur Elias não gostou do que ouviu e recordou seu retrospecto contra o rival. "Ele foi muito infeliz. A hora que um treinador de um time tão grande e qualificado como o Palmeiras coloca em dúvida uma convocação de atletas do Corinthians, a gente fica preocupado, pois é uma equipe tricampeã brasileira", rebateu o treinador alvinegro. "A comparação com o masculino e o Diniz não cabe, o Diniz é um grande amigo que tenho no futebol. Tenho certeza que se ele tivesse uma equipe no Brasil com a história e a qualidade que nós temos, certamente ele convocaria um número elevado também. O mais lamentável é colocar que o futebol feminino é terra de ninguém. É uma terra de muitos sonhos, de muita gente que trabalha arduamente. O futebol feminino mais forte passa cada vez mais pela responsabilidade de cada profissional, principalmente se tratando de uma equipe de tanta expressão como o Palmeiras, com um elenco muito qualificado. Não sei como ele tem essa opinião das atletas do Corinthians, pois, pelo confronto que nós tivemos com ele no comando do Palmeiras, a equipe dele nunca nos venceu, a não ser um jogo em que coloquei as categorias de base."
Não foi a primeira polêmica da trajetória do treinador, que começou a carreira em um projeto de futebol feminino na USP, em 2004. Durante os jogos, não economiza nas duras em suas atletas e frequentemente discute com a arbitragem. No ano passado, teve uma entrevista cortada nos canais digitais da Federação Paulista de Futebol após criticar o calendário estadual. Após assumir a seleção, fez questão de enfatizar que pensa de maneira "muito diferente" de Pia. "Se eu estou aqui, é para mudar alguma coisa. Vocês podem esperar uma seleção jogando diferente, de forma mais ofensiva", prometeu.
Com a torcida corintiana — uma parcela dela, na verdade —, houve um ruído após o manifesto das jogadoras alvinegras sobre a contratação de Cuca. A pressão de uma parte expressiva da Fiel, que não concordou com a contratação de alguém condenado por participação em um estupro na Suíça, motivou a saída do paranaense após um único jogo. Porém, havia uma outra parcela entusiasmada com a chegada de um treinador campeão brasileiro e da Libertadores. Na visão desses torcedores, o time feminino foi determinante para a saída do segundo técnico da equipe masculina em 2023. Devido à má repercussão entre esse grupo de corintianos, Arthur Elias deu um passo atrás. "Acho que é importante colocar, explicar melhor para o nosso torcedor: o grupo de atletas quis fazer um posicionamento sobre o tema, elas falam de maneira geral, se orgulham do que é vestir essa camisa do Corinthians, não foi nenhum tipo de manifesto ou protesto. As meninas não personalizaram em nenhuma pessoa, não é na figura do Cuca, na figura do nosso presidente. Foi muito mal interpretado, tanto pela imprensa quanto pelos nossos torcedores."
Hoje, o episódio está superado. Após o anúncio de que o técnico deixará o Corinthians assim que encerrar sua jornada na Libertadores, em outubro, um misto de gratidão e tristeza tomou conta da fiel. A data escolhida pela CBF, o dia 1º de setembro, aniversário de 113 anos do clube, deixou tudo mais doloroso. Para piorar, o "Rei Arthur" não prometeu voltar, como é praxe em despedidas do tipo. "Não sei se eu vou ter a oportunidade de voltar a treinar esse clube, com o qual me identifiquei demais e que eu amo. No futebol, a gente tem que pensar mais no presente. O momento agora é de dedicar nessas duas competições: Brasileiro e, depois, Libertadores. Fazer o meu melhor, como sempre fiz, e depois tentar mudar a seleção de patamar. Estou muito motivado e preparado para este desafio na seleção brasileira. Os sonhos mudam."
Fonte: Jovem Pan