A capacidade do governo de cumprir a meta fiscal de déficit zero em 2024 foi colocada em xeque nesta semana, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmar que "dificilmente" a gestão conseguiria fechar as contas públicas no zero a zero. O objetivo já era visto como ambicioso e otimista por diversos analistas, mas a fala do mandatário fez com que se gerassem dúvidas sobre a capacidade da equipe econômica de cumprir seus acordos e ter responsabilidade fiscal, além de gerar um desconforto com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mais do que isso, o Congresso Nacional viu na fala de Lula a senha para discutir a mudança da meta. Após as falas do presidente e aparentes desencontros das agendas de governo, a expectativa do mercado piorou em relação ao desempenho do governo. Especialistas consultados pela Jovem Pan afirmam que o déficit zero dificilmente será alcançado e o posicionamento de Lula pode inclusive gerar um movimento de alta nos juros.
Patrícia Fudo, tributarista e sócia do Maluf Geraigire Advogados, afirma que o cumprimento deste objetivo é uma sinalização importante para o mercado financeiro, pois representa um potencial de verba em caixa para novos investimentos e programas sociais, sinalizando uma maior estabilidade para o mercado. "Contudo, nesta semana foram levantadas dúvidas com relação a viabilidade da meta estabelecida pelo governo, especialmente com a declaração do presidente Lula no sentido de que "dificilmente" o país alcançará em 2024 o déficit zero das contas públicas. É perceptível uma diminuição do tom nos discursos da base governista quanto ao alcance da meta fiscal de 2024, de modo que o tema mais discutido no momento é não só a aprovação dos projetos que preveem o aumento da arrecadação, mas também a alteração do projeto da LDO de 2024 a fim de que seja obtido um maior fôlego temporal para adequar as contas públicas", pondera.
Para ela, em termos práticos, o discurso adotado pelo presidente Lula nos últimos dias coloca o mercado em alerta com relação a estabilidade das contas públicas no ano que vem, reforçando a responsabilidade do Congresso Nacional na aprovação das medidas necessárias para aumento da arrecadação para se alcançar a meta estabelecida. Jayme Carvalho, economista-chefe da SuperRico, complementa que a meta zero era um desafio que o mercado já via como bastante difícil do governo atingir, uma vez que as expectativas de crescimento de receita colocadas eram exageradamente otimistas. "O que percebemos é que o governo está tendo muito mais dificuldade no Congresso do que ele esperava. E o mercado, aos poucos, vem piorando as suas expectativas. O cenário muda quando você olha suas expectativas com o governo já admitindo que não vai fazer. Portanto, isso se retroalimenta e você tem uma piora das expectativas maior. Tudo isso significa juros futuros mais alto. A fala do presidente Lula foi muito ruim porque, primeiro, desautorizou o ministro Haddad e, segundo, mostra que o governo está de alguma forma brincando com o Congresso", pondera.
Estrategista-chefe da Davos Investimentos, Ricardo Pompermaier avalia que o desafio de zerar o déficit é praticamente impossível. Ele afirma que o mercado trabalha com a previsão de um déficit ao redor de 0,75% do PIB em 2024. "Para atingir o déficit zero, vários projetos do governo têm que ser aprovados até o fim do ano, como a mudança da base de cálculo do ICMS e a finalização da votação da tributação de offshores e fundos exclusivos. Além disto seriam necessários cortes de gastos que o governo não parece estar disposto a realizar. Porém, o sinal dado pelo presidente ao "abandonar" a tentativa de zerar o déficit tem o lado ruim de abrir as portas para mais gastos. Se o próprio presidente não está disposto a cortar gastos para atingir a meta, por que o Congresso tem que se indispor e aumentar impostos em um ano pré-eleitoral? Haddad parece estar falando sozinho nesta matéria. Importante frisar que, por enquanto, ainda tem o apoio de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para tentar aumentar a arrecadação, apesar do fogo amigo dentro do governo", considera.
David Andrade Silva, tributarista e sócio do Andrade Silva Advogados, observa que o atual governo gasta muito mais do que arrecada e que a maioria das medidas anunciadas é voltada para o aumento da carga tributária. "Mesmo com o anúncio de tantas medidas e a implementação de tantas outras, a arrecadação do governo federal fechou o mês de setembro em R$ 174,31 bilhões. O valor representa queda de 0,34% em relação a setembro de 2022, descontada a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). É o quarto mês seguido de retração da arrecadação federal. O descontrole das contas públicas gera evidentes prejuízos para a economia, para os cidadãos e para as empresas. O primeiro reflexo é, em face da insegurança gerada por esse rombo, uma saída massiva de recursos dos investidores, para outros países mais estáveis e seguros. Em segundo lugar, haverá certamente uma redução de investimentos no país, pela aversão do empresariado a esse cenário de risco excessivo. Mas, certamente, dentre todos os efeitos perversos o maior vai ser a volta da inflação, seja pela necessidade de emissão de moeda, seja pelo aumento da taxa de juros", indica.
Jovem Pan