IndĂgena, ex-oficial do Exército, Silvia Waiãpi (PL) é uma parlamentar cercada de polĂȘmicas e com história de vida surpreendente que ganhou destaque nesta semana ao confrontar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante sua participação na CPI das ONGs, que investiga a liberação de recursos do governo federal para ONGs e OSCIPs, bem como a utilização destes aportes e de outras formas de financiamento recebidos do exterior. Durante a sessão da Ășltima segunda-feira, 27, Silvia acusou Marina de ter abandonado os povos indĂgenas em nome de uma agenda polĂtica: "A senhora virou as costas para nós. A senhora nos abandonou em nome de uma polĂtica de preservação da natureza, enquanto nós morremos de fome. Nós falamos em estradas, em acesso, em desenvolvimento e é isso que vocĂȘs estão deixando para a gente, absolutamente nada. Em nome de quem? Do aquecimento global? (Â ) Senhora ministra Marina Silva, nós queremos que o nosso povo coma de verdade, que tenha dignidade (Â ) Hoje, nós não podemos sequer explorar petróleo na foz do rio Amazonas. Essa polĂtica não pode permitir que os povos do Norte possam crescer economicamente".
"[Nós indĂgenas] Somos obrigados a respeitar a nossa ancestralidade. Sabe por quĂȘ? Porque nos foi negado o direito de ser igual à outra sociedade. Nos foi negado e nos é negado todos os dias (Â
) VocĂȘs não nos dão a oportunidade do desenvolvimento econômico", criticou a parlamentar, que argumenta que a agenda do governo do presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva (PT) de preservação das terras indĂgenas isola as comunidades em função de supostos interesses das nações estrangeiras. Como defensora do governo de Jair Bolsonaro, do qual fez parte, a parlamentar segue na contramão das reivindicações de movimentos indĂgenas. Confira abaixo um resumo do retrospecto da parlamentar.
Silvia Waiãpi, primeira mulher indĂgena a entrar para o Exército Brasileiro, defende a integração dos Ăndios à sociedade formal, sobretudo por meio da continuidade dos estudos. A tenente vĂȘ um papel decisivo das Forças Armadas na polĂtica indigenista brasileira, uma vez que os militares tĂȘm meios e pessoal para chegar a comunidades muito afastadas e de difĂcil acesso, levando apoio social e exercendo ações na ĂĄrea de saĂșde. Após vĂĄrias especializações, um trabalho como fisioterapeuta com um grupo de fuzileiros navais a fez se interessar pela carreira militar. Segundo Waiãpi, a escolha ocorreu porque "sua pele é verde oliva". Em 2011, tornou-se a primeira mulher indĂgena incorporada no Exército Brasileiro, com o posto de tenente, sendo aprovada com uma das melhores pontuações no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (Cpor) do Rio de Janeiro, onde fez o estĂĄgio.
Em novembro de 2018, Silvia foi uma das quatro mulheres que faziam parte do grupo de transição anunciado por Jair Bolsonaro, então do PSL. Próxima da ex-titular do extinto Ministério da Mulher, da FamĂlia e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, ela assumiu o posto de secretĂĄria de SaĂșde IndĂgena do Ministério da SaĂșde em abril de 2019, sendo indicada pelo então ministro Luiz Henrique Mandetta. Logo em julho de 2019, Waiãpi foi contestada por lideranças da principal organização dos povos tradicionais, a Articulação dos Povos IndĂgenas do Brasil (Apib). Militantes da Apib ocuparam a Secretaria de SaĂșde IndĂgena (Sesai) pedindo a exoneração da secretĂĄria. Um comunicado da Apib, no dia da ocupação, afirmava: "Silvia Waiãpi, que além de não entender nada de gestão pĂșblica, envergonha os povos indĂgenas do Brasil, ao se colocar a serviço de interesses escusos de quem quer que seja e de um governo declaradamente anti-indĂgena".
Em fevereiro de 2021, Waiãpi foi nomeada Conselheira Nacional de Promoção da Igualdade Racial, cargo vinculado ao Ministério da Mulher, da FamĂlia e dos Direitos Humanos. A tenente tinha como função propor polĂticas de promoção da igualdade racial e étnica. No mesmo mĂȘs, ela foi convidada a se filiar ao Patriota, com a proposta de disputar uma cadeira ao Senado Federal pelo Estado do AmapĂĄ. No entanto, Silvia optou por disputar as eleições para a Câmara dos Deputados pelo Partido Liberal (PL). Em 2022, Waiãpi se elegeu como a deputada federal menos votada no Brasil, com 5.435 votos. Na campanha, ela recebeu apoio de nomes como Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli.
A então candidata ainda entrou com uma ação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) contra os presidentes nacional e regional de seu partido, Valdemar Costa Neto e Alex de Almeida Pereira, os acusando de repassar menos verbas por ela ser negra, indĂgena e apoiadora do ex-presidente Jair Bolsonaro. No processo, ela questiona a distribuição de recursos do fundo partidĂĄrio feita pelo PL no Estado do AmapĂĄ. Na sua visão, as trĂȘs candidatas a deputado federal pelo Estado deveriam receber a mesma quantia de dinheiro, o que não aconteceu. Segundo os dados da Justiça Federal, Sonize Barbosa — esposa do presidente da Assembleia Legislativa do Estado, KakĂĄ Barbosa (PL) — recebeu R$ 1 milhão do fundo partidĂĄrio, enquanto Mariana Souto, R$ 500 mil. JĂĄ Waiãpi teve direito a R$ 126 mil. A parlamentar também afirma que o partido não enviou seu material de campanha para passar no horĂĄrio eleitoral gratuito por não ter apoiado a eleição de Davi Alcolumbre (União Brasil) ao Senado e do então candidato a governador Clécio Luis (Solidariedade), que agregou apoios do PT e do PL em 2022.
Ao assumir seu mandato no Legislativo, a parlamentar declarou que foi excluĂda da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos IndĂgenas no Congresso Nacional, grupo que foi recriado em 2023 com 198 assinaturas. "Nem sequer fui convidada para a frente parlamentar dos povos indĂgenas. Aqueles que deveriam me chamar, foram os primeiros a me segregar e atuar com preconceito contra uma mulher indĂgena que quer que o seu povo tenha oportunidade, viva no século 21 e que não seja condenado a viver no passado como em 1500", declarou a deputada, em vĂdeo publicado em março deste ano em sua rede social.
Ainda durante a campanha de 2022, o Ministério PĂșblico Eleitoral (MPE) apresentou denĂșncia contra Silvia, alegando que a deputada, até então candidata, utilizou-se indevidamente de R$ 9.000 captados do fundo eleitoral, valor que teria sido gasto em uma harmonização facial. A denĂșncia foi feita pela própria coordenadora de campanha de Waiãpi, Maete Mastop, que junto de um advogado procurou o MPE dizendo que Waiãpi supostamente pediu a ela para que transferisse o referido valor da sua conta de campanha para a conta pessoal da sua coordenadora, e que na data foi solicitado por Waiãpi que a mesma transferisse o valor da sua conta pessoal para a conta do profissional que fez o procedimento, alegando que haveria a restituição do valor assim que saĂsse seu pagamento de militar da reserva. Na representação, o promotor solicitou que fosse suspensa a diplomação da candidata e que houvesse a cassação de seu mandato, no entanto, o processo continua em andamento.
Enquanto morou no Rio de Janeiro, Silvia Waiãpi trabalhou no CĂrculo do Livro, onde conheceu poetas e artistas e se desenvolveu culturalmente, ao mesmo tempo em que frequentava a escola. Ainda adolescente, começou a escrever e declamar poesias. Waiãpi ingressou num grupo de atores e estudou teatro, formando-se em artes cĂȘnicas com 24 anos. A parlamentar trabalhou na TV Globo, como aderecista do departamento de figurino, preparadora de elenco da minissérie "A Muralha" e pesquisadora de texto na novela "Uga Uga", ambas estreadas em 2000. Estas funções viriam a lhe render depois papéis como atriz. A carreira artĂstica de Waiãpi acabou sendo interrompida pela atividade esportiva. Em entrevista a Jô Soares, gravada em 2012, ela revelou um incidente traumĂĄtico como sendo o gatilho para sua trajetória no atletismo. Após ser atacada por um homem enquanto fazia uma caminhada no Rio de Janeiro, decidiu começar a treinar corrida para evitar passar por situações semelhantes. Interessou-se pela modalidade, passando a participar de competições.
Em seguida, ela foi descoberta por um técnico do Vasco da Gama, passando a treinar no clube. Em 2003, graças ao seu bom desempenho, conseguiu uma bolsa de estudo para estudar fisioterapia no Centro UniversitĂĄrio Augusto Motta. Após esta incursão no mundo dos esportes, Waiãpi voltou a atuar em 2006, quando interpretou a personagem Pena Levinha, na novela "Bang Bang", e fez participação na minissérie "A Cura", em 2010, ambas produções da Globo. Silvia viveu seu principal papel como Domingas, uma indĂgena tirada da sua tribo para trabalhar como doméstica na minissérie "Dois Irmãos", exibida em 2017 e inspirada no livro homônimo de Milton Hatoum. Na trama, ela contracenou com o protagonista Cauã Reymond, que interpretava os gĂȘmeos Omar e Yaqub.
Fonte: Jovem Pan