A tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vetar o projeto de lei (PL 334/2023) que prorroga a desoneração da folha de pagamento de 17 grandes setores da economia brasileira gerou uma onda de repercussão no Congresso Nacional, que derrubou o veto na tarde desta quinta-feira, 14, de forma acachapante. No Senado, a medida foi derrubada por 60 a 13. Na Câmara dos Deputados, por sua vez, o placar foi de 378 a 78. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia se posicionado contra a medida, classificada por ele como "inconstitucional". Contudo, muitos parlamentares e empresários foram pegos de supresa com a decisão de Lula de vetar totalmente o texto. O parlamento conseguiu reverter a rejeição da medida tentando promover maior segurança jurídica à economia. Especialistas consultados pelo site da Jovem Pan observam que decisão de Lula pode ter sido uma estratégia para mostrar compromisso do governo com a estabilidade fiscal e o déficit zero.
Essa é a avaliação da advogada tributarista e sócia do Maluf Geraigire Advogados, Patrícia Fudo. Segundo projeções do governo, a desoneração representa uma renúncia fiscal de aproximadamente R$ 9,4 bilhões por ano, o que poderia ajudar os cofres públicos a chegar ao déficit zero em 2024. "O governo vem trabalhando com a meta de zerar o déficit fiscal das contas públicas para o ano de 2024 e, para isso, precisa aumentar a arrecadação federal. Uma das estratégias para que isso aconteça é a diminuição dos benefícios fiscais que, no caso da desoneração da folha de pagamentos, pode gerar uma renúncia fiscal da ordem de R$ 9 bilhões, aliado a outros projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional. Dessa forma, com o veto do projeto de lei pelo presidente Lula, o governo pretendia sinalizar também para agentes do mercado que está preocupado com a questão fiscal", considera.
Ela afirma que, ainda que o veto tenha sido derrubado, o governo optou por sinalizar que tem um maior compromisso com a tentativa de alcançar o déficit zero do que entrar em possível conflito com o Congresso Nacional e as áreas afetadas pelo benefício fiscal vetado. "A necessidade de escolha entre um ou outro, no entanto, é tida como um falso dilema. O afastamento de benefícios fiscais em prol do equilíbrio das contas públicas é necessário, mas a escolha da desoneração da folha em detrimento de tantos outros benefícios fiscais possíveis parece um tanto quanto injusta e pouco estratégica, visto que ela é aplicável aos setores que mais empregam no Brasil, aproximadamente 9 milhões de brasileiros", complementa.
Mestre em Ciências Contábeis e consultor estratégico, Anderson de Sousa Santos complementa que as medidas compensatórias citadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não ficaram claras e dependem da aprovação do Congresso, o que pode dificultar a implementação. Ele pondera que o governo precisar dar um passo a frente e estabelecer quais serão essas ações e de que forma serão operacionalizadas. "A oposição já vem batendo no governo após o anúncio do veto, afirmando que ele é contra o trabalhador e joga contra o Brasil. Isso vai impactar para que a equipe de Lula consiga emplacar suas pautas, como o teto de gastos. O ministro Alexandre Padilha vai precisar trabalhar muito nos bastidores para equalizar esse problema e resolver a meta fiscal. Temos um orçamento que ainda vai ser analisado pelo parlamento e isso vai ser impactado e algumas políticas podem ser travadas. Temos ainda reforma tributária e outras pautas que dependem do apoio de deputados e senadores", observa.
Tributarista e sócio da Andrade Silva Advogados, David Andrade Silva avalia que o pronunciamento de Haddad mostra que o governo não tem nada a anunciar em termos de outra possibilidade. "Na verdade, só uma mudança radical na estrutura tributária e de encargos trabalhistas no Brasil poderia sanar, de vez, esse problema. Entre tributos e encargos trabalhistas, sobre cada real pago ao empregado, o empregador tem que dispender mais R$ 0,96 (noventa e seis centavos) – cerca de 36% de tributos e 56% de encargos trabalhistas. Além disso, o veto desprestigia o Congresso, em um momento que o governo precisa dele em seu plano de cobrir o déficit fiscal a custo do suor e do trabalho dos cidadãos", opina.
A busca por aumentar as receitas está por trás das medidas do governo, conforme releva Anderson Santos. "Segundo dados da Receita Federal, a União deixou de arrecadar R$ 139 bilhões desde 2012 em função da desoneração. Para 2023, esperava-se um impacto de R$ 9,4 bilhões. O governo não quer perder receita e vai ter que administrar a conta a partir disso, que é um problema na base de geração de emprego, que algo que durante toda a campanha ele defendia ampliar", indica.
David Andrade Silva afirma que, analisando apenas o tamanho da renúncia fiscal, pode-se acreditar que a medida é importante para o equilíbrio das contas públicas. "Mas quando se olha o todo e a quantidade de demissões que a revogação da desoneração pode causar, ver-se-á, com toda a tranquilidade, que essa medida irá reduzir postos de trabalho, gerar demissões e, portanto, reduzir e não aumentar a arrecadação federal. Melhor postura do governo federal seria, claro, manter a desoneração e apresentar ao Congresso Nacional de fato uma reforma estruturante nas relações de trabalho, com uma brutal redução dos custos tributários e trabalhistas.
O projeto de lei que mantém a prorrogação até o final de 2027 permite que empresas paguem impostos correspondentes entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta, ao invés de 20% sobre a folha de pagamento de salários. O benefício era válido apenas até 31 de dezembro deste ano. Entre os setores que podem ser beneficiados, estão: confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, TI (tecnologia da informação), TIC (tecnologia de comunicação), projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
Fonte: Jovem Pan