A Arquidiocese de São Paulo estĂĄ prestes a receber quatro vĂdeos que mostram o padre JĂșlio Lancellotti se masturbando para um menor de idade. A veracidade das cenas, gravadas em 26 de fevereiro de 2019, foi atestada por uma nova perĂcia técnica audiovisual, realizada hĂĄ poucos dias. A Revista Oeste teve acesso a este documento com exclusividade.
Ao longo de 79 pĂĄginas, os peritos Reginaldo Tirotti e Jacqueline Tirotti analisaram o estado de conservação dos arquivos, observaram cada frame dos filmes, realizaram os exames prosopogrĂĄficos (técnica que identifica as caracterĂsticas faciais e do ambiente), inspecionaram os ĂĄudios e comprovaram sua integridade.
Os vĂdeos em poder da Revista Oeste foram gravados pelo adolescente, que tinha 16 anos na época das conversas com Lancellotti. A cena inicial mostra uma tela de celular, com trocas de mensagens no aplicativo WhatsApp. Depois, começa a videochamada e a câmera oscila entre as partes Ăntimas e o rosto do padre.
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Em 2020, essas imagens circularam por algum tempo nas redes sociais. Na época, o perito Onias Tavares de Aguiar confirmou a autenticidade do vĂdeo. Contudo, o Ministério PĂșblico (MP) arquivou a investigação por "falta de materialidade".
PerĂcias do gĂȘnero chegam a um veredito depois da verificação de distintos elementos: contorno facial, altura da calvĂcie, inclinação do nariz, acessórios, mobĂlias. Tudo isso foi comparado com imagens do padre em outras situações. Por exemplo, em entrevistas a emissoras de televisão.
Ao constatarem todas as convergĂȘncias e verificarem a ausĂȘncia de vestĂgios de adulteração dos arquivos, Reginaldo e Jacqueline concluĂram que JĂșlio Lancellotti é o homem que aparece nas imagens.
A CPI das ONGs mira JĂșlio Lancellotti
A denĂșncia serĂĄ apresentada poucos dias depois de o cardeal dom Odilo Scherer encaminhar um ofĂcio para o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União), solicitando o envio das "denĂșncias de extrema gravidade" que o vereador Rubinho Nunes (União) recebeu contra JĂșlio Lancellotti.
Depois de apresentados à arquidiocese, os vĂdeos devem ser exibidos a portas fechadas para a plateia formada por integrantes do colégio de lĂderes da Câmara Municipal. Como se reĂșnem sempre às terças-feiras, o próximo encontro serĂĄ em 23 de janeiro.
O material que ampara a denĂșncia foi resgatado por parlamentares empenhados em instaurar CPI das ONGs. Conforme o autor da proposta, Rubinho Nunes, o objetivo é investigar os grupos que atuam no centro da capital paulista, no qual se distribui a cracolândia.
O vereador acusa as ONGs de formarem uma espécie de "mĂĄfia da miséria" para "explorar os dependentes quĂmicos". De acordo com Nunes, essas organizações recebem dinheiro pĂșblico para distribuir alimentos, kits de higiene e itens para o uso de drogas — prĂĄtica conhecida como "polĂtica de redução de danos".
Apresentado no fim do ano passado, o requerimento para a instauração da CPI das ONGs teve 25 assinaturas. A comissão pretende investigar com especial rigor duas instituições: o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, conhecida como Bompar, e a Craco Resiste. Ambas miram a população de rua e dependentes quĂmicos no centro da capital. É o que faz JĂșlio Lancellotti, ex-conselheiro do Bompar.
"Os dependentes quĂmicos precisam de programas de tratamento de alta qualidade para ajudar a superar o vĂcio", justifica Rubinho, no pedido de abertura da CPI. "Uma CPI pode avaliar a eficĂĄcia dos programas oferecidos pelas ONGs."
Em dezembro, o padre garantiu que não tem poderes para influenciar tais entidades nem tem projetos conjuntos com as organizações. Em relação à Bombar, especificamente, afirmou que ocupa uma posição sem remuneração no conselho deliberativo da instituição, do qual se desligou oficialmente hĂĄ 17 anos.
A esquerda reage
Diante do reaparecimento do vĂdeo, o polĂtico-midiĂĄtico e a esquerda se mobilizaram para abortar a CPI das ONGs. Motivo: num ano eleitoral, as investigações poderão influenciar a disputa nas urnas paulistanas. JĂșlio Lancellotti é aliado do deputado federal e pré-candidato Guilherme Boulos (Psol).
A União Nacional dos Estudantes (UNE) juntou-se ao movimento. Seus dirigentes sustentam que "é inadmissĂvel que, no Estado com o maior nĂșmero de pessoas em situação de rua, aqueles que atuam para o acolhimento e garantia de seus diretos bĂĄsicos sejam perseguidos e tratados como criminosos".
O presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva também aliou-se ao padre, ao declarar que JĂșlio Lancellotti "dedica sua vida para tentar dar um pouco de dignidade, respeito e cidadania às pessoas".
Em nota, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) saiu em defesa do lĂder religioso. "O MST se solidariza com o padre JĂșlio Lancellotti, que sofre ataques da extrema direita", afirmou o documento.
A mobilização não parou por aĂ. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), telefonou no inĂcio deste mĂȘs para comunicar de viva voz sua solidariedade a JĂșlio Lancellotti. O padre confirmou o apoio do ministro.
Parlamentares recuam
Pressionados pelo bloco de esquerda, pelo menos sete parlamentares desistiram da abertura da CPI. Para que a comissão seja instalada, o texto precisa ser apreciado pelo colégio de lĂderes e pelo plenĂĄrio. Nesta Ășltima instância, a aprovação exige o apoio de 28 vereadores.
Entre os vereadores que mudaram de ideia e agora rejeitam a instalação da comissão estão Sidney Cruz (Solidariedade), Thammy Miranda (PL), Sandra Tadeu (União Brasil), Xexéu Tripoli (PSDB), Milton Ferreira (Podemos) e Beto do Social (PSDB).
Apesar das desistĂȘncias, Rubinho Nunes disse que pretende levar a comissão adiante. "Não vou recuar de maneira alguma", afirmou. "Essa perseguição aos parlamentares só mostra que tem algo muito grande por trĂĄs."
Em 2020, esse mesmo vĂdeo foi enviado à polĂcia por uma denunciante anônima. Uma reportagem da revista piauĂ insinuou que o vĂdeo foi forjado pelo Movimento Brasil Livre (MBL). "O objetivo da fabricação do vĂdeo era incriminar o pĂĄroco no crime de pedofilia", acusa o texto. O ex-deputado Arthur do Val foi quem enviou o material para a anĂĄlise do perito Onias Tavares de Aguiar. Em 172 pĂĄginas, o documento confirma a veracidade do vĂdeo.
Perito sem registro
No inĂcio de 2024, o vĂdeo de JĂșlio Lancellotti voltou a agitar os bastidores da polĂtica municipal. Com a possibilidade de instauração da CPI das ONGs em São Paulo, a mĂdia ligada à esquerda se mobilizou para defender o padre.
É o caso da revista Forum, que contratou o instrutor de computação forense MĂĄrio Gazziro, pesquisador na Universidade Federal do ABC (UFABC), para realizar uma perĂcia no material. O documento elaborado por ele tem apenas 12 pĂĄginas.
Ao contrĂĄrio dos peritos que atestam a veracidade do documento, o currĂculo de Gazziro é indigente. Ao pesquisar o nome de Gazziro no Jusbrasil, Oeste se deparou com apenas quatro processos. Nenhum deles é sobre perĂcia. Em seu currĂculo, não constam cursos de perĂcia nem registros profissionais para o exercĂcio da profissão.
Embora a ausĂȘncia de registro não implique necessariamente em ilegalidade, a falta do cadastro ressalta que Gazziro não atua frequentemente como perito, apenas em situações particulares. É diferente dos casos de Reginaldo Tirotti, Jacqueline Tirotti e Onias Tavares de Aguiar.
Oficialmente, a Arquidiocese de São Paulo afirma que ainda não recebeu nenhuma denĂșncia vinculada ao padre JĂșlio Lancellotti e, portanto, desconhece o conteĂșdo das investigações.
Fonte: Revista Oeste