"STF quer que corruptos fiquem com o dinheiro que roubaram", diz Dellagnol

Ex-coordenador da Lava Jato comentou os 10 anos da operação, decisões do STF e o fim da Lei das Estatais

Por Trago Verdades em 16/03/2024 às 12:59:14

Deltan Dallagnol durante entrevista ao programa "Oeste Sem Filtro" - 13/3/2024 | Foto: Reprodução/YouTube/Revista Oeste

Na semana em que se completam dez anos de Lava Jato, Deltan Dallagnol, ex-coordenador da operação, criticou a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). O comentário se deu depois do ministro Dias Toffoli suspender multas bilionárias de empreiteiras condenadas por corrupção.

Conhecida como maior ação de combate à corrupção da história do país, a Lava Jato descobriu um megaesquema de corrupção na Petrobras. As investigações envolveram políticos de diferentes partidos e grandes empresas, públicas e privadas.

Em 79 fases, a Lava Jato obteve 553 denunciados, 163 prisões temporárias, 132 prisões preventivas, 1.450 buscas e apreensões. Além disso, a operação foi responsável por devolver R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos.

Porém, uma década depois do início desse trabalho, Dallagnol afirma que a operação foi desmontada por uma reação política de partidos e do STF. De acordo com ele, "hoje nenhum político corrupto tem medo de ir para a cadeia".

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"Eles sabem que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai garantir sua impunidade", disse o ex-procurador, em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro. "Temos visto isso até mesmo no caso de empresas que nos roubaram por décadas".

No início de fevereiro, Dias Toffoli suspendeu a multa de R$ 8,5 milhões que a empreiteira Odebrecht, hoje Novonor, tinha que de pagar ao Estado, por ter praticado corrupção durante o governo do PT. Em dezembro de 2023, o magistrado já havia suspendido uma multa de R$ 10,3 bilhões aplicada à J&F, empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

O ministro do STF alegou que as decisões se baseiam em informações Operação Spoofing, de 2019. De acordo com Toffoli, as informações mostrariam que havia um "conluio entre o juízo processante e o órgão de acusação". Por isso, na visão dele, as provas colhidas na época da Lava Jato deveriam ser anuladas.

Entrevista com Deltan Dallagnol

O ex-procurador e coordenador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol.
O ex-procurador e coordenador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol. Apesar das críticas ao que chamou de "desmonte da Lava Jato", Dallagnol exaltou o legado da operação | Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Em entrevista a Oeste, Dallagnol criticou essa e outras decisões recentes do STF. Para ele, a Suprema Corte do país foi responsável por enfraquecer a Operação Lava Jato e suas conquistas. Confira os principais trechos:

Como o senhor avalia o desmonte da operação Lava Jato?

O sentimento é de revolta, indignação. Indignação com a injustiça. Primeiramente, a gente se indignou com a injustiça da corrupção, que faz a sociedade sofrer. Agora, a gente se indigna uma segunda vez, com a impunidade dos crimes de corrupção. Essa indignação é a mesma indignação do brasileiro que vê os crimes de rua sendo praticados e vê os presos saindo em liberdade condicional, "saidinhas", progressão de regime. Isso se aplica aos criminosos de rua e está se aplicando também aos criminosos de colarinho branco, mas por razões diferentes. Quando a gente olha para os criminosos de rua, existe uma série de falhas no nosso sistema. Quando a gente olha para os criminosos de colarinho branco, para além das falhas do nosso sistema, a gente vê uma conivência, uma leniência dos tribunais superiores, principalmente o Supremo Tribunal Federal, em relação aos corruptos do Brasil. A grande verdade é: os políticos corruptos hoje não têm mais medo de irem para a cadeia, porque confiam que o Supremo lhes garantirá a impunidade.

Qual seria o interesse do STF com esse tipo de intervenção?

Vimos o "barco" da reação contra a Lava Jato ser ocupado progressivamente por um número de pessoas poderosas cada vez maior. Inicialmente, pessoas que eram do PT, do PP, do PMDB, do PSDB e uma série de outros partidos do país. Basta ver que apenas a colaboração da Odebrecht entregou 415 políticos de 26 partidos. Estamos falando de políticos poderosos, partidos que colocaram ministros no Supremo Tribunal Federal, colocaram pessoas no Tribunal de Contas da União, no Superior Tribunal de Justiça. São pessoas que influenciam jornalistas, que tem "braços" de influência nas mais variadas áreas da sociedade. São essas pessoas que hoje estão interessadas em anular condenações, acabar com os instrumentos de combate à corrupção e perseguir quem combateu a corrupção para que uma Lava Jato nunca mais se repita no país.

Como o senhor classifica as recentes decisões do ministro Toffoli, que suspenderam as multas aplicas à Odebrecht e à J&F?

Os acordos de colaboração premiada de leniência, só em Curitiba, recuperaram mais de R$ 15 bilhões para os cofres públicos. Contudo, recentemente, até isso querem derrubar. O ministro Dias Toffoli, por meio de decisões, vem suspendendo pagamentos de empresas que confessadamente praticaram corrupção, que se comprometeram voluntariamente a devolver o dinheiro que roubaram da sociedade. Até isso querem impedir. O STF quer garantir que os corruptos fiquem com o dinheiro que eles mesmos roubaram.

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Dallagnol foi o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba | Marcelo Camargo/Agência Brasil


Qual foi o real saldo da Operação Lava Jato?

O legado da Lava Jato está no diagnóstico que ela nos deu da grande corrupção da política brasileira. Hoje sabemos como ela funciona. Sem saber, você não tem como tratar. O que falta agora é o tratamento. Além disso, a Lava Jato deixou um legado de milhões de reais recuperados aos cofres públicos. Deixou um legado de uma percepção mais elevada de risco para quem pratica corrupção. Durante a operação, a corrupção foi inibida. Como fruto, também tivemos a Lei das Estatais, que impedia o aparelhamento político de nossas empresas. Mais do que isso, ela deixou um legado de esperança, que é possível vencer o monstro da corrupção no nosso país. Por fim, ela deixou a percepção de que é possível a gente se engajar na política. Houve um progressivo engajamento político dos brasileiros, que passaram a conhecer os ministros do STF pelos nomes, assim como o que eles fizeram no verão passado. Hoje todo mundo sabe quem é quem. E esse é um passo necessário para mudar a política brasileira. A solução virá daí: da política brasileira.



Fonte: Revista Oeste

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