A atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de seu presidente, ministro Alexandre de Moraes, ganhou destaque na imprensa internacional e nas redes sociais nesta quarta-feira, 3. Por meio de extensa thread (fio) no Twitter/X, o jornalista norte-americano Michael Shellenberger expôs materiais que, segundo ele, são documentos que atestariam o trabalho "ilegal" por parte da Corte e do magistrado.
Num resumo ao apresentar o tema aos internautas do Twitter/X, plataforma em que conta com 893 mil seguidores, Shellenberger avisa que Moraes e o TSE foram responsáveis por ilegalidades como "ampla restrição à liberdade de expressão". Violação de dados particulares de usuários das redes sociais e tentativa de usar políticas de moderação como "arma contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro" são outras alegações levantadas pelo jornalista.
<blockquote class="twitter-tweet"><p lang="en" dir="ltr">TWITTER FILES - BRAZIL<br><br>Brazil is engaged in a sweeping crackdown on free speech led by a Supreme Court justice named Alexandre de Moraes.<br><br>De Moraes has thrown people in jail without trial for things they posted on social media. He has demanded the removal of users from social
</p>— Michael Shellenberger (@shellenberger) <a href="https://twitter.com/shellenberger/status/1775516415023251835?ref_src=twsrc%5Etfw">April 3, 2024</a></blockquote> <script async src="https://platform.twitter.com/widgets.js" charset="utf-8"></script>
A divulgação de arquivos começa com o e-mail enviado em fevereiro de 2020 por Rafael Batista, então integrante do departamento jurídico do Twitter/X no Brasil, a seus colegas. Na mensagem originalmente em inglês, ele afirma que membros do Congresso Nacional haviam solicitado à plataforma "conteúdos das mensagens trocadas por alguns usuários via DMs". Nesse caso, de acordo com o jornalista, o Supremo Tribunal Federal barrou a ofensiva política contra a big tech e seus usuários.
Quase um ano depois, em 27 de janeiro de 2021, Batista mandou outro alerta por e-mail a seus pares. No caso, ele avisou que havia se tornado alvo de uma investigação policial por, em nome do Twitter/X, ter se recusado a fornecer dados pessoais dos internautas ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). Dias depois, já em fevereiro, ele voltou a reforçar que passou à condição de investigado. E reforçou que as informações que as autoridades buscavam não eram nem colhidas pela plataforma. Um mês depois, Batista avisa que, naquele momento, o Poder Judiciário acabou por interceder em favor da rede social e da privacidade dos dados dos usuários. "Ótimas notícias!", comemorou. Semanas se passaram e, contudo, o MP-SP iniciou "um processo criminal", conforme avisou a seus pares.
Críticas ao Google e vai e vem do Judiciário
A linha do tempo de Shellenberger, com base nos arquivos do Twitter/X, segue com críticas de Batista ao Google. No fim de maio de 2021, o então profissional da rede social critica outra big tech com operações no Brasil. De acordo com ele, o gigante de buscas on-line enfraquecia a postura adotada pelo Twitter/X, pois forneceu séries de dados à autoridades brasileiras.
"O Google entregou ao Senado brasileiro pelo menos 200 gigas de vídeos que foram excluídos do YouTube por pessoas ligadas ao governo federal", afirmou Batista, em relação à investigação relacionada a supostos conteúdos enganosos sobre a pandemia da covid-19. "[O Google abre] um precedente muito preocupante, que contradiz e enfraquece nossa postura em relação à privacidade, uma vez que sempre resistimos a solicitações de comissões do Congresso, mesmo quando envolvem apenas informações básicas de assinatura e IPs."
Outros e-mails seguem com Batista reportando — ao que se leva a crer, à equipe jurídica do Twitter/X nos Estados Unidos — idas e vindas do Poder Judiciário brasileiro contra ele e à plataforma. Chega a citar alguns políticos, como Fernando Capez (ex-PSDB) e a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), que já era a presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT). Esses agentes teriam tentado promover ou desistidos de ações contra a rede social.
Colunista da Folha e situação de Allan dos Santos
Em outra parte, a thread do jornalista norte-americano menciona profissionais da imprensa. Em junho de 2021, ele afirmou que a plataforma tinha se tornado alvo de investigação civil, em ação movida pela filósofa Djamila Ribeiro, que até hoje atua como colunista do jornal Folha de S.Paulo.
"Batista enviou um e-mail aos seus colegas em 14 de junho de 2021, para dizer que o Twitter recebeu no ano passado um 'aviso de denúncia', que agora foi transformado em uma investigação civil contra nós", afirma Shellenberger. "Batista explicou que 'a denúncia foi apresentada por Djamila Ribeiro, filósofa e jornalista brasileira após ofensas racistas/crimes de ódio dirigidas a ela (embora nenhum conteúdo específico tenha sido fornecido). Entre vários pedidos, ela busca: I) medidas de monitoramento de todos os trending topics para evitar conteúdos ofensivos especialmente contra mulheres negras; II) divulgação de informações de usuários sem ordem judicial em crimes de motivação racial; III) disparos regulares de mensagens informando as pessoas sobre parâmetros éticos e legais de responsabilidade pelo que é publicado nas redes sociais; IV) mensagens/textos padronizados sobre tais parâmetros éticos e legais para novos usuários; e V) pagamento de danos morais coletivos'".
No mesmo material, Batista citou o caso do jornalista Allan dos Santos. Nesse ponto, o consultor jurídico do Twitter/X dá a entender que a própria equipe da plataforma pretendia banir os perfis do comunicador, mas que temia uma eventual "confusão" sobre o caso. Havia o temor de propagação de "desinformação" por parte dele em relação à covid.
TSE entra em cena, afirma jornalista, sobre arquivos do Twitter
No início de julho de 2021, Batista relata a seus pares que a Polícia Federal (PF) tinha pedido informações referentes à conta de Carlos Bolsonaro — vereador do Rio de Janeiro e filho do então presidente da República, Jair Bolsonaro — na plataforma. O motivo seria uma postagem feita pelo político em 2018. Na mensagem, o integrante do departamento jurídico ressalta que nenhum dados cadastral foi compartilhado com as autoridades brasileiras. Isso por falta de coleta e pelo tempo entre a solicitação e a publicação, que já passava dos seis meses.
Em agosto de 2021, o TSE, então sob presidência do ministro Luís Roberto Barroso, foi o tema do e-mail enviado pelo profissional do jurídico do Twitter/X no Brasil a colegas de companhia. No caso, Batista, conforme a postagem de Shellenberger, afirmou que o "Tribunal Superior Eleitoral exigiu que as contas de 'grandes apoiadores do presidente Bolsonaro' que 'têm se envolvido constantemente em ataques coordenados contra membros do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral'."
Já em outro do mesmo ano, o TSE teria seguido com movimentação contra o Twitter/X na intenção, nas palavras do jornalista norte-americano, de perseguir apoiadores de Bolsonaro. Afinal, por outro e-mail assinado por Batista, a Corte Eleitoral havia "obrigado" a plataforma a "rastrear e desmascarar usuários que utilizassem hashtags específicas." A companhia, contudo, seguiria firme na intenção de preservar a privacidade dos internautas. "Não havia indícios de ilegalidade no uso de hashtags."
Mais um mês se passa, e mais um e-mail de Batista para falar de ações movidas pelo Judiciário brasileiro contra o Twitter/X. Neste caso, a ordem foi para a plataforma bloquear determinadas URLs — ou seja links, de perfis a postagens — em nível "global".
Monitoramento de hashtags
Há alguns meses de hiato no "fio" publicado por Michael Shellenberger. Depois do registro para a remoção de conteúdos "globalmente", o jornalista norte-americano exibe e-mails enviados em março de 2022, período pré-eleitoral no Brasil. Naquele momento, o presidente do TSE era o ministro Edson Fachin, que ficou no posto de fevereiro até 16 de agosto daquele ano.
Houve troca de comando na Corte e mudança também no emissor dos conteúdos. Isso porque Shellenberger divulgou o e-mail enviado pelo então diretor jurídico do Twitter/X para América Latina, Diego de Lima Gualda. Na mensagem, o executivo informa que se reuniu com "o juiz" — que o jornalista norte-americano afirma ser Moraes, que ainda não tinha assumido a presidência do TSE. Ele alega que profissionais da PF realmente estão investigando a promoção de algumas hashtags, enquanto a Corte Eleitoral teria pressionado para ter acesso a informações privadas dos usuários, sob a justificativa de "circunstâncias excepcionais" e medidas a fim de "antecipar possíveis atividades ilegais". Dois meses depois, Gualda alega estar "sob muita pressão" do TSE.
Em 30 de março de 2022, Gualda envia outro e-mail. Na mensagem, ele afirma que o TSE exigiu informações relacionadas às estatísticas das hashtags #VotoImpressoNAO, #VotoDemocráticoAuditável e #Bolsonaronacadeia. O prazo para a plataforma fornecer tais dados seria de sete dias, com multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento. Nesse trecho da thread, Shellenberger fez uma confusão: afirmou que Moraes havia tomado posse como presidente do TSE um dia antes, mas isso só ocorreria em 16 de agosto de 2022.
Moraes no comando do TSE
A linha do tempo construída pelo jornalista norte-americano pula novamente alguns meses e salta para 31 de outubro de 2022, um dia depois da realização do segundo turno das eleições gerais do Brasil — ocasião em que, aí sim, Moraes já era o presidente do TSE. Em relatório semanal, a equipe do Twitter/X no país afirmou que a Corte Eleitoral pressionou figuras como os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP) e Marcel van Hattem (Novo-RS) por suposta propagação de "desinformação" por meio da rede social.
Em 4 de novembro, a mensagem que partiu de um advogado do Twitter era a de que, a mando do TSE, a plataforma removeu a conta do pastor André Valadão mesmo sem entender e sem alegação por parte de Moraes para isso. O receio da companhia era ter que arcar com multa de R$ 100 mil por hora de descumprimento da decisão judicial.
Na sequência das postagens, Shellenberger recua para 17 de agosto — aí sim um dia depois de Moraes tomar posse como presidente do TSE. Sem citar nominalmente o emissário em questão, o jornalista norte-americano afirma que um "membro da equipe jurídica do Twitter" relatou que a rede social tinha sido alvo de outra ordem judicial, que faria parte de investigações para "identificar indivíduos/grupos por trás de uma potencial coordenação de esforços para atacar as instituições e o sistema eleitoral". Esse profissional teria lembrado que Bolsonaro também era alvo de tal investigação. Novamente, hashtags relacionadas às urnas eletrônicas e à votação auditada eram alvo.
Na reta final de sua thread, o jornalista norte-americano compartilha análise do advogado brasileiro Hugo Freitas, que criticou as investigações por parte da Justiça Eleitoral brasileira. "O pedido do TSE é claramente abusivo", disse. "Postar hashtags para promover mudanças legislativas é totalmente apropriado para uma democracia e não é crime previsto pela legislação brasileira."
<blockquote class="twitter-tweet"><p lang="en" dir="ltr">"TSE"s request is clearly abusive"<br><br>"TSE"s request is clearly abusive", Brazilian attorney and legal scholar Hugo Freitas <a href="https://twitter.com/hugofreitas_r?ref_src=twsrc%5Etfw">@hugofreitas_r</a> told us, when asked about the situation. <br><br>"Posting hashtags to promote legislative changes is completely appropriate for a democracy and it"s
</p>— Michael Shellenberger (@shellenberger) <a href="https://twitter.com/shellenberger/status/1775523545264554356?ref_src=twsrc%5Etfw">April 3, 2024</a></blockquote> <script async src="https://platform.twitter.com/widgets.js" charset="utf-8"></script>
Por fim, o jornalista norte-americano acusa Moraes e o TSE de terem imposto censura no Brasil. Ele também afirma que o Twitter, a mando do Poder Judiciário, removeu discurso político de sua rede. Assim, na visão dele, a Justiça parece "ter interferido numa importante eleição presidencial".
No dia 30 de outubro de 2022, houve a realização do segundo turno da disputa pela Presidência do Brasil. Conforme dados oficiais do TSE, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu Jair Bolsonaro (PL) por menos de dois pontos porcentuais de diferença: 50,9% contra 49,1%.
Fonte: Revista Oeste