De acordo com o relatório intitulado "A blueprint for addressing the global affordable housing challenge" (em tradução livre: "Um caminho para solucionar o desafio global da moradia acessível"), publicado pela McKinsey Global Institute (MGI), instituto voltado para estudos sobre economia global, o acesso à habitação digna e acessível é tão fundamental para a saúde e o bem-estar das pessoas que consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, a MGI estima que o investimento global anual para suprir essa necessidade giraria em torno de 650 bilhões de dólares, que equivale aproximadamente a 1% do PIB mundial.
A assustadora estatística demonstra que são necessárias novas abordagens para o problema da habitação acessível. É preciso urgentemente repensar este desafio e quebrar velhos paradigmas, já que as soluções convencionais não se mostram totalmente adequadas para o tamanho do problema. Neste cenário, a aplicação de novas tecnologias, combinada ao Design-to-value (ou engenharia de valor) torna-se um caminho possível para reduzir os custos de construção e ajudar a democratizar o acesso a moradias dignas.
A aplicação de novas tecnologias às diversas etapas do ciclo de vida de uma construção permite a redução do custo total, além de proporcionar um produto de melhor qualidade. Diferentes ferramentas podem ser aplicadas a cada etapa do processo, desde a fase de concepção e projeto, até durante e após a construção.
Dentre as diversas tecnologias disponíveis, vale destacar a aplicação de BIM (Building Information Modeling ou Modelagem da Informação da Construção) que serve para aumentar a eficiência da equipe envolvida nas fases de projeto, além de ajudar a reduzir custos da construção. Outra tecnologia relevante para essa finalidade, são os recursos de Big Data e Analytics para melhorar a tomada de decisão durante o processo de produção de uma moradia.
A tecnologia BIM é muito mais do que ter apenas um design 3D. Trata-se, na verdade, de um processo para criar e gerenciar todas as informações sobre um projeto, levando a uma saída conhecida como Building Information Model, que contém dados para todos os aspectos do projeto físico. A aplicação de BIM ao projeto permite a construção virtual antes da construção física propriamente dita, o que elimina uma série de ineficiências e problemas que costumam surgir durante o processo de construção. Embora o BIM esteja associado principalmente ao projeto e à pré-construção, ele pode beneficiar todas as fases do ciclo de vida de um projeto, mesmo após a conclusão da obra.
Associada à aplicação de novas tecnologias como o BIM, a abordagem de Design-to-value aos projetos arquitetônicos e de engenharia permite otimizar o projeto das moradias para entregar maior valor ao cliente final. Essa dinâmica acontece por meio da redução de custos desnecessários, por exemplo, por meio da redução ou simplificação de especificações do projeto. Um exemplo de aplicação desta abordagem ao projeto de uma casa popular poderia ser a diminuição da altura do pé-direito para economizar na quantidade do material, a utilização de soluções simplificadas para sistemas elétricos e hidráulicos, ou ainda a especificações de materiais suficientemente adequados, porém mais baratos, para a redução do custo total com materiais.
Economias adicionais ainda são possíveis por meio de compras mais eficientes, que podem ser feitas por meio de plataformas digitais que auxiliam no processo de cotação e compra dos materiais. Ao integrar fornecedores e padronizar as listas de materiais para obter descontos por volume, é possível ter uma economia considerável na fase de compras dos materiais da construção.
Outro ponto fundamental para garantir um custo global mais competitivo é a redução do custo de financiamento para compradores e construtores. Com a utilização de Big Data, é possível avaliar melhor o risco das transações, possibilitando que os credores reduzam seu risco, podendo cobrar taxas mais baixas para tomadores de baixa renda.
A plataforma MinhaCasaNido é um outro exemplo de solução digital que aplica uma combinação de tecnologias para facilitar a jornada de construção da casa própria. A partir de projetos padrão gratuitos, projetados com base em conceitos de design-to-value e modelados com o uso de tecnologia BIM, a plataforma conecta diversas pontas do processo de construção de uma moradia, conduzindo o usuário a uma construção regular e econômica. Os materiais previamente especificados e quantificados podem ser comprados num marketplace digital que une vendedores à compradores. A plataforma ainda disponibiliza ferramentas online para acompanhamento físico e financeiro da obra, além de vídeos educacionais por meio de streaming.
Assim como nos exemplos citados, outras tecnologias e processos inovadores precisam ser amplamente aplicados para viabilizar a criação de novas soluções digitais escaláveis, que combinadas com uma entrega local eficaz e soluções justas de financiamento, podem possibilitar o acesso à habitações dignas para milhões de famílias, ajudando a reduzir o problema da oferta de moradias a preços acessíveis.
* Lara Sorensen é Mestra em engenharia e responsável pela plataforma de construção MinhaCasaNido
* Pedro Farias é graduando em engenharia civil na Universidade Federal da Bahia, integrante da equipe de engenharia da plataforma MinhaCasaNido
* Jennifer Nauar é Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Pará, responsável pela área de comunicação da plataforma MinhaCasaNido
Olhar Digital