Após o homem mais rico do mundo desistir de comprar o Twitter, o caso vem gerando especulações em diversos segmentos do mercado e pode ter impactos decisivos na estrutura do consumo de informações – permeada pela tecnologia – e na vida dos usuários das redes sociais. Isso porque Elon Musk alegou que a quantidade de contas falsas (que incluem robôs) na rede social é de quase 20% do total de usuários ativos, embora a empresa afirme que o percentual é de 5%.
O acontecimento foi parar na justiça americana e a "bomba" jogada pelo bilionário impactou diretamente o valor de mercado do Twitter. O preço das ações caiu mais de 40% em apenas três dias. A oferta de Musk condicionava a compra a um valor por ação de US$ 54,20, e hoje o papel se encontra a aproximadamente US$ 32,50. A ver como serão os desdobramentos dessa questão e o que virá até o julgamento acelerado entre as partes, marcado para outubro.
Mas as consequências do retrocesso no deal vão além: o Twitter precisa acelerar seus esforços na reversão dessa imagem e focar no controle das fake news – um dos principais males da sociedade virtual, para melhorar sua proposição de valor como um todo. Essas notícias falsas deterioram o valor de mercado das plataformas, porque afetam a experiência dos usuários e "inflam" artificialmente os dados de uso utilizados pelos anunciantes em seus planos de mídia junto a esse formato.
Essa questão é relevante para o mercado há algum tempo, mas seus desdobramentos podem impactar ainda mais diretamente a vida dos usuários e a forma como consomem informação. A União Europeia vem exigindo maior transparência de todas as plataformas digitais em seus termos de uso, códigos-fonte e regras de privacidade; com o constante aumento dos investimentos publicitários nos meios digitais, os anunciantes demandam acurácia e assertividade na alocação de seu dinheiro; e, com esse tema em alta, outras plataformas também tendem a multiplicar esforços de remoção de notícias e contas falsas para viabilizarem a qualificação do conteúdo publicado.
O aumento desse controle não mudará apenas o tipo de informação veiculada, mas espera-se que traga maior transparência para a população acerca de como seus dados são tratados, usados e manuseados pelas redes –pois, como já se viu, a difusão de fake news impacta até mesmo o entendimento sobre as guerras e coloca riscos sobre resultados de eleições pelo mundo, incluindo o Brasil.
Outra consequência, uma das mais temidas (ou celebradas) do acordo com Elon Musk, consiste na mudança radical das políticas e dos termos de uso atuais do Twitter, que vêm sofrendo enormes modificações e ajustes desde 2020, rumo à moderação e ao controle da publicação de fake news na plataforma. O movimento de banimento do ex-presidente Donald Trump até hoje é comentado, e Elon Musk acenou diversas vezes a favor de mais flexibilidade nos critérios editoriais para publicações na rede social.
Outro desafio do Twitter em médio e longo prazo após a perda do negócio que tinha condições bastante vantajosas para os acionistas é que a drástica redução do valor de mercado deixa a organização mais vulnerável ao recebimento de novas ofertas "hostis" de aquisição. Logo após o fim do quase casamento com Musk, por exemplo,as ações da plataforma deram um salto de 8% após a Hindenburg Research, mais conhecida por fazer vendas a descoberto, ter dito que construiu uma participação significativa na empresa. A marca, conhecida por apostar contra outras empresas, liquidou em maio sua posição vendida na plataforma, alegando, na época, haver risco considerável de que o acordo entre o Twitter e Musk seria reprecificado a um patamar mais baixo em relação ao valor originalmente pactuado.
Agora o processo do Twitter, que busca manter a compra, foi protocolado junto à Corte de Delaware e deve dar início a uma longa disputa judicial entre a companhia e o homem de bilhões. Muitas coisas ainda podem mudar e o destino do Twitter é incerto, mas vale aproveitar a ventilação de dados para aprimorar a experiência pública e aplicar novas estratégias contra as fake news e seus impactos na sociedade. Não podemos nos esquecer de que o Twitter ainda é uma das maiores e mais abertas fontes de informação e conhecimento do mundo, e seu fortalecimento e reconstrução futuras certamente poderão ser extremamente benéficas para todos os que acreditam e apoiam uma sociedade mais digital e justa.
*Fernando Moulin é partner da Sponsorb, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente
Fonte: Olhar Digital