Na semana passada, a campanha do Partido dos Trabalhadores (PT) entrou com uma representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para censurar a Revista Oeste e outros veículos de imprensa. Os petistas solicitaram que o Twitter "cumpra" o "termo de cooperação" firmado com a Corte Eleitoral para impedir a divulgação de "mentiras" nas eleições deste ano. O partido informa ter identificado uma rede de 34 perfis, incluindo figuras públicas, jornalistas e veículos de comunicação. Na petição, contudo, não foi apontada uma única reportagem de Oeste ou publicação em redes sociais que contenha fake news. Poucos dias antes, o alvo da censura foi o jornal Gazeta do Povo. A história é o tema do artigo de capa da edição da Revista Oeste desta semana, assinado por J.R. Guzzo.
A pedido do PT, o ministro Paulo de Tarso Sanseveriano, do TSE, determinou que Twitter e Facebook removessem 31 postagens que mostram o apoio de Lula ao ditador de extrema esquerda da Nicarágua, Daniel Ortega. A censura judicial atingiu em cheio um tuíte do jornal, de 22 de setembro, com a notícia segundo a qual o regime de Ortega, apoiado por Lula, havia cortado o sinal do canal de notícias CNN naquele país. Todas as informações publicadas pela Gazeta são verdadeiras.
Ao TSE, a campanha de Lula argumentou que as postagens promoviam "reiterada campanha difamatória" contra o petista, "com o objetivo de incutir no eleitor a ideia de que ele persegue e ameaça cristãos, assim como Daniel Ortega". "É falsa a narrativa de que Lula apoia esse regime", juraram os advogados do ex-presidente, que já fez declarações públicas referindo-se à amizade que tem com o ditador — as fotografias dos dois juntos corroboram as falas. Lula também manifestou-se a favor de Ortega ficar no poder por um longo período de tempo, "como os primeiros-ministros europeus".
Na decisão, o ministro Sanseveriano argumentou que os posts têm "conteúdos manifestamente inverídicos em que se propaga a desinformação de que o candidato Lula defendeu a invasão de igrejas, perseguiria os cristãos, bem como apoiaria a ditadura da Nicarágua". Na parte em que pediu a remoção da postagem da Gazeta do Povo, a coligação de Lula alegou que o jornal tentou "induzir ao pensamento de que o petista compactua com a ditadura". "As publicações referidas buscam associar que o candidato Lula apoiaria veementemente um regime autoritário e que persegue cristãos, o que sabiamente é uma inverdade", disseram os advogados de Lula. Nem a postagem nem a notícia publicada pelo jornal, contudo, airmam que o ex-presidente perseguiria cristãos, caso fosse eleito.
O jurista Ives Gandra da Silva Martins lembrou que Lula e o PT sempre apoiaram os irmãos Castro, em Cuba, Daniel Ortega, na Nicarágua, e Chávez e Maduro, na Venezuela. "Não é mentira que Lula sempre apoiou os Castros, Ortega, Chávez e Maduro", observou. "As notícias podem ser apresentadas de forma diversa, o que não pode é serem falsas."
Segundo Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito público administrativo pela FGV, a decisão judicial de censurar a Gazeta do Povo "atropelou o direito constitucional de comunicação previsto no Inciso IX do Artigo 5º da Constituição, em que se garante a livre expressão, independentemente de censura ou licença".
A decisão do TSE também violou, de acordo com Vera, o artigo 220 da Carta Magna, que estabelece que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofrerão restrições". Vera ressaltou ainda que o parágrafo primeiro do artigo 220 determina que "nenhuma lei poderá impedir a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação."
Para a especialista, o ex-presidente Lula poderia entrar com uma ação civil, de indenização por supostos danos morais e materiais, e até conseguir um direito de resposta, mas não censurar a publicação.
O jurista Dircêo Torrecillas Ramos, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, afirma que houve violação do Inciso XIV do Artigo 5º da Constituição. "Todos têm direito de informar e de ser informado", disse o jurista. "Além disso, o argumento do PT é completamente insatisfatório, porque a diretora do jornal afirma que os conteúdos são verdadeiros e verificáveis. Se o TSE permitir essa censura, vai abrir um precedente para outros veículos."
Os disparos do PT em outros alvos para manter o jornalismo sob censura
Menos de uma semana antes do ataque à Gazeta do Povo, a ofensiva jurídica de Lula conseguiu uma vitória contra o site O Antagonista. A pedido dos advogados do petista, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, mandou tirar do ar uma reportagem com um áudio, mais transcrição, de falas de Marcola, chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC). Neles, o líder da facção criminosa declara preferir Lula a Bolsonaro, na Presidência da República.
"Ah, mas para nós o Bolsonaro é pior", disse Marcola, no áudio, em conversa com Esdras Augusto do Nascimento Júnior, um dos líderes do PCC. "O Lula é ladrão mesmo, pilantra entendeu. Só que é o seguinte, irmão, essa fita do covid (sic), o Bolsonaro deu uma mancada. Bolsonaro é parceiro da política, da milícia. Cara é sem futuro. O Lula também é sem futuro, só que, entre os dois, não dá nem para comparar um com o outro." Júnior responde que, "se colocar um do lado do outro, Lula é melhor para nós".
Moraes entendeu que a reportagem divulgou um "fato sabidamente inverídico", que teria "grave descontextualização" e finalidade de vincular a figura de Lula à organização criminosa, sugerindo suposto apoio explícito do PCC à sua campanha. "Parece suficiente para configurar propaganda eleitoral negativa, na linha da jurisprudência desta Corte", sustentou Moraes. Em nenhum momento, o magistrado põe em dúvida a autenticidade da gravação. Moraes afirmou que, no áudio, Marcola não declara, explicitamente, voto em Lula, como informou a manchete. A decisão de Moraes afetou a rádio Jovem Pan e o presidente Jair Bolsonaro, que foram intimados a remover o conteúdo.
Semanas antes desse episódio, Moraes proibiu qualquer postagem associando Lula ao PCC. Isso porque a defesa do petista acionou a Corte contra "fake news" nas redes sociais. Tudo começou com uma reportagem da revista Veja com trechos da delação premiada do lobista Marcos Valério, conhecido pelo escândalo do Mensalão. Segundo Valério, o PT manteve relações estreitas com o PCC por muitos anos.
Valério revelou que Ronan Maria Pinto, empresário do ramo dos transportes, chantageava o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para não revelar o segredo que comprometeria o partido: a existência de um esquema de arrecadação ilegal de recursos para financiar os petistas. O publicitário disse que soube da suposta chantagem contra Lula depois de conversar com Sílvio Pereira, então secretário-geral do PT. O depoimento do lobista aproximou ainda mais Lula da morte do ex-prefeito Celso Daniel.
Com a decisão, Moraes censurou 16 perfis ligados ao presidente Jair Bolsonaro, entre parlamentares e apoiadores que compartilharam a reportagem, o canal no YouTube Política Brasil 24 horas e dois veículos de comunicação independentes: Jornal da Cidade e Jornal Minas Acontece. Estranhamento, a revista Veja, que publicou a notícia em primeira mão, foi poupada da ira do presidente do TSE.
Além de matérias jornalísticas, o PT também demonstrou ter força contra as pesquisas eleitorais. Em agosto deste ano, a legenda conseguiu censurar um levantamento do Datafolha na Bahia. Com a censura de um juiz de primeira instância, a rádio Metrópole, contratante da pesquisa, publicou apenas as informações relacionadas a governador e a senador, visto que o magistrado impedira a publicação de dados para presidente.
Conforme o PT, o estudo estava "eivado de inconsistências" e alegou que houve "indução ao erro" nas questões dirigidas aos eleitores, que poderiam levá-los a equívocos. A legenda sustentou ainda que a pesquisa informou no registro que serão mensuradas as intenções de voto para governador e senador, e que foram incluídas erroneamente perguntas sobre a disputa para a Presidência. O Grupo Folha recorreu e venceu na segunda instância.
Ativismo judicial
A censura a veículos de comunicação que desafiam o poder do establishment não é de hoje. Além de comandar o TSE, o ministro Alexandre de Moraes conduz um inquérito inconstitucional no Supremo Tribunal Federal (STF) que tem investigado e prendido pessoas que criticam a atuação da Casa. Ao mesmo tempo, o procedimento serve para blindar ministros do STF em outros flancos. Em abril de 2019, Moraes censurou O Antagonista e a Revista Crusoé em razão de uma reportagem que citava o então presidente do STF, Dias Toffoli.
De acordo com o texto, a defesa do empresário Marcelo Odebrecht juntou em um dos processos contra ele na Justiça Federal em Curitiba um documento no qual esclareceu que um personagem mencionado em email, o "amigo do amigo do meu pai", era Dias Toffoli, que, na época, era advogado-geral da União. No e-mail, Marcelo tratava com o advogado da empresa, Adriano Maia, e com outro executivo da Odebrecht, Irineu Meireles, sobre se tinham "fechado" com o "amigo do amigo". Não há menções a propina. Alguns dias depois, Moraes reverteu a censura.
À época, poucos veículos de comunicação da grande mídia noticiaram o caso de censura. O comportamento se repete agora, com a Gazeta, a Oeste, O Antagonista e perfis nas redes sociais.
Como lembra a Carta ao Leitor desta edição, tais episódios evocam a advertência famosa do teólogo alemão Martin Niemöller: "Primeiro, os nazistas vieram buscar os comunistas, mas, como eu não era comunista, eu me calei. Depois, vieram buscar os judeus, mas, como eu não era judeu, eu não protestei. Então, vieram buscar os sindicalistas, mas, como eu não era sindicalista, eu me calei. Então, eles vieram buscar os católicos e, como eu era protestante, eu me calei. Então, quando vieram me buscar, já não restava ninguém para protestar".
Revista Oeste