Os economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, que apoiaram a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições deste ano, escreveram uma carta para o presidente eleito nesta quinta-feira, 17, em que mostram preocupação com as recentes declarações do petista sobre as regras fiscais.
Mais cedo, durante a 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP27), Lula defendeu o fim do teto constitucional de gastos e o aumento de recursos para o financiamento de programas sociais.
Fraga, Bacha e Malan ressaltam, no texto divulgado pela Folha de S.Paulo, que a obediência às regras fiscais é condição fundamental para a resolução de problemas sociais. "O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver", argumentam.
Os economistas observam que, diferentemente do que dizem os petistas, a alta do dólar e a queda da Bolsa de Valores não são produto da ação de "especuladores mal-intencionados". Dizem também que o teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde e da cultura. "Não é uma conspiração para desmontar a área social", ressaltam.
Ao longo da carta, Fraga, Bacha e Malan explicam os motivos pelos quais um governante deve se atentar ao equilíbrio das contas públicas. Sem isso, observam os especialistas, um país não pode prosperar.
"Caro presidente eleito Lula,
Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.
O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.
A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.
O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.
Vejamos por quê.
Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.
O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imaginamos que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.
É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.
É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.
E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.
São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!
O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.
O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.
Respeitosamente,
Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan"
Fonte: Revista Oeste