Em carta, economistas que apoiaram Lula advertem o petista e ameaçam pular do barco

Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan mostram preocupação com as declarações do presidente eleito sobre as regras fiscais

Por Trago Verdades em 17/11/2022 às 19:51:44

Montagem: Marcos Brindicci(Getty Imagens)/ Sérgio Castro/Estadão Conteúdo - Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo - Vivian Fernandez/Estadão Conteúdo

Os economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, que apoiaram a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições deste ano, escreveram uma carta para o presidente eleito nesta quinta-feira, 17, em que mostram preocupação com as recentes declarações do petista sobre as regras fiscais.

Mais cedo, durante a 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP27), Lula defendeu o fim do teto constitucional de gastos e o aumento de recursos para o financiamento de programas sociais.

Fraga, Bacha e Malan ressaltam, no texto divulgado pela Folha de S.Paulo, que a obediência às regras fiscais é condição fundamental para a resolução de problemas sociais. "O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver", argumentam.

Os economistas observam que, diferentemente do que dizem os petistas, a alta do dólar e a queda da Bolsa de Valores não são produto da ação de "especuladores mal-intencionados". Dizem também que o teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde e da cultura. "Não é uma conspiração para desmontar a área social", ressaltam.

Ao longo da carta, Fraga, Bacha e Malan explicam os motivos pelos quais um governante deve se atentar ao equilíbrio das contas públicas. Sem isso, observam os especialistas, um país não pode prosperar.

Leia na íntegra a carta endereçada a Lula

"Caro presidente eleito Lula,

Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.

A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.

Vejamos por quê.

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imaginamos que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.

É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.

É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.

E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!

O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.
O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.

Respeitosamente,

Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan"

Fonte: Revista Oeste

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