Os gráficos da Bolsa de Valores brasileira mostram o mau humor do mercado com os últimos anúncios da equipe da transição de governo e as recentes manifestações do presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva (PT) sobre o futuro econômico de sua terceira gestão à frente do país. As sucessivas quedas nas cotações das principais empresas de capital aberto contrastam com o tamanho do impacto orçamentário que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelos petistas para manter o Auxílio Brasil, que voltará a ser chamado de Bolsa Família, em R$ 600. No dia 11 de novembro, em primeira manifestação como próximo chefe do Executivo aos políticos apoiadores da sua candidatura, Lula chamou o mercado de "sensível" e afirmou que a sua regra de ouro é "garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite". Ao atacar o teto de gastos e a principal regra constitucional que proíbe o aumento de gastos para despesas correntes, o Ibovespa registrou quase 4% de queda – com uma desvalorização de R$ 156,269 bilhões em valor de mercado –, também com uma disparada no dólar, que passou a ser cotado em R$ 5,40. Sem ministro da Fazenda definido para explicar os planos da economia para os próximos meses, o coordenador da equipe de transição e vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB) esteve no Senado Federal e na Câmara dos Deputados na última quarta-feira, 16, para entregar uma sugestão de PEC que prevê um rombo orçamentário de quase R$ 200 bilhões para cumprir promessas de campanha, fora do teto de gastos e sem data para que o aumento nas despesas tenha fim. E economistas foram consultados para entender o impacto da proposta no orçamento do próximo ano e nas contas públicas do governo brasileiro.
Na visão de Rodrigo Moliterno, Head de Renda Variável da Veedha Investimentos, embora o mercado financeiro tenha entendido a necessidade de haver uma proposta para garantir o pagamento dos R$ 600, o "derretimento" do Ibovespa se deve à indefinição quanto às diretrizes da proposta, como o tempo de duração e a quantia necessária para financiar as promessas de campanha. "Essa falta de comprometimento com a estratégia fiscal é um cheque em branco, sem data específica e sem valor. Ninguém quer chancelar o cheque em branco. Voltaria inflação, teria mais juros", disse o economista após chamar a proposta de "PEC do Apocalipse" e acusar o novo governo de não ter responsabilidade fiscal. "Mercado não é "confie em mim", é "show me the money'", acrescenta. Ao longo da campanha eleitoral, Lula ressaltou que a garantia de que seu terceiro mandato seria responsável em termos fiscais seria o desempenho produzido nas primeiras gestões. Em 27 de outubro, o então candidato petista disse seu futuro ministro da Economia precisaria conciliar "responsabilidade fiscal e social". Passada a eleição, em 17 de novembro, o presidente eleito mudou seu discurso e afirmou que "não adianta" ter uma responsabilidade fiscal sem pensar na questão social.
Para Igor Lucena, economista e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, o mercado financeiro já teria precificado uma proposta de PEC da Transição com um "waiver", ou seja, uma licença para gastar, entre R$ 50 bilhões e R$ 70 bilhões para custear o pagamento do Bolsa Família em R$ 600 no próximo ano. Porém, a decisão da equipe em apresentar uma sugestão de texto com quase o triplo do esperado criou estresse nos economistas. De acordo com o especialista, os petistas criaram um projeto que prevê aumentar o gasto público em quase R$ 200 bilhões sem tempo determinado em uma situação diferente do negociado. "Ou seja, no próprio mandato do presidente Lula, você estaria incorrendo em quase R$ 800 bilhões em dívidas. Casas de análises colocaram isso, somando ao aumento do salário mínimo real, com a trajetória da dívida do Brasil explodiria e chegaria próximo aos 100% nos próximos anos", explicou. Nesta sexta-feira, 18, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado projetou que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) pode chegar a 95,3% em relação ao PIB até 2031. Segundo a IFI, a PEC da Transição é um dos principais fatores para o crescimento da dívida pública.
Lucena ressalta, porém, que o "mercado não é um monte de gente sentado em uma mesa na Faria Lima", e ressalta que sua composição é feita de "gestores de gestão da Petrobras, do Correios, de professores de escolas universitárias" que precisam de resultados palpáveis em seus investimentos. "Quando você encontra um projeto como aquele que foi apresentado, todo mundo joga para cima dólar e juros. Não foi uma reação exagerada [o derretimento do mercado]", considera Lucena, que discorda da avaliação de ser um projeto que apresenta um cheque em branco, mas afirma: "Prefiro dizer que foi pedido muito, porque dinheiro não cai em árvore. Foi pedido algo que as gerações subsequentes não conseguirão pagar". Ambos os economistas, porém, entendem que o valor aprovado pelo Congresso Nacional será de, no máximo, R$ 80 bilhões, apenas com o Auxílio Brasil sendo custeado fora do teto de gastos e válido somente para o próximo ano.
Fonte: Jovem Pan