A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se iniciou com um grande debate em torno das políticas a serem adotadas para a precificação dos combustíveis. Ainda na transição, a equipe econômica decidiu não prorrogar a isenção dos impostos sobre o produto, o que fez com que o mercado realizasse um reajuste no preço na virada do ano. Futuro presidente da Petrobras, Jean Paul Prates mostrou irritação diante do quadro já encontrado em alguns postos de combustíveis, que fizeram o reajuste, segundo ele, sem justificativa: “Vários postos aumentaram os preços, mas essas pessoas estão sendo oportunistas. Não há razão para aumentar a gasolina, o diesel, o GLP e o álcool no Brasil, de hoje para amanhã”. Ele também defendeu mudanças na política de preços dos combustíveis e a revisão do uso do Preço de Paridade de Importação (PPI) como referência para as tarifas internas dos combustíveis. O governo chegou a voltar atrás na desoneração dos impostos, estendendo temporariamente a medida. Além disso, no primeiro dia de sua gestão, Lula paralisou as privatizações de estatais, fazendo com que a Petrobras sofresse uma desvalorização de 6,45% (perdeu R$ 22,8 bilhões em valor de mercado). Com um início conturbado de gestão no que tange as políticas de combustível, o mercado começou se questionar: será o combustível o calcanhar de Aquiles do governo Lula?
Começar um governo com aumento dos combustíveis e, consequentemente, inflação seria uma espécie de pontapé inicial “com o pé esquerdo”, principalmente após uma eleição tão apertada, avalia André Meirelles, diretor de alocação e distribuição na InvestSmart XP. “No final de 2022, vimos o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, solicitando que não fosse renovado esse incentivo. Logo no primeiro mês após essa medida, vimos o preço do combustível subir R$ 1 em alguns postos. Posteriormente, Lula, no seu primeiro dia de mandato, postergou a desoneração de impostos e logo os preços começaram a voltar ao normal. Sendo assim, podemos perceber que a desoneração tem um impacto nos preços. Isso porque o ICMS é um componente do preço do combustível, junto à cotação do barril de petróleo e do dólar. Por isso, a desoneração de impostos teve efeito de queda no preço dos combustíveis, enquanto uma eventual reoneração tende a elevar seu preço. A primeira medida que poderia ser tomada para ‘controlar’ os preços foi adotada — neste caso, a postergação do incentivo. O governo vem anunciando que deixará de praticar o PPI e adotará outro modelo de precificação dos combustíveis. Até então vemos o mercado receoso com essa mudança. Existem outros pontos sensíveis no atual governo, mas com certeza combustível e energia são pontos extremamente delicados, principalmente porque o aumento no preço dos combustíveis é uma preocupação global”, pondera.
Mestre em economia e diretor-executivo da Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres (Abrilivre), Rodrigo Zingales pondera que a tributação tem um impacto considerável nos preços dos derivados de petróleo no mercado interno, que pode superar 30% do seu valor total. “A decisão do STF de desconsiderar a gasolina como um bem “essencial”, ocorrida em dezembro de 2022, já acarretará nesse início de 2023 um aumento entre 7% a até 16% no preço desse combustível. Dependendo do estado, o preço da gasolina poderá sofrer um reajuste superior R$ 1. O impacto na inflação nacional, decorrente da elevação dos preços dos combustíveis no Brasil, ficou claro nos últimos anos para qualquer brasileiro. Assim, qualquer governo deve olhar com atenção para as políticas e ações voltadas à elevação da concorrência e oferta dos combustíveis no mercado interno e, consequentemente, à redução de seus preços. Para evitar o desgaste com a população, o novo governo deve, no curtíssimo prazo, manter a desoneração dos tributos federais até que haja uma estabilização dos preços internacionais e da cotação do dólar; exigir dos governadores a manutenção das alíquotas do ICMS dos combustíveis nas faixas de 18% ou 17%; e ainda rever a política de preços e investimentos da Petrobras. Também é preciso regulamentar os contratos de exclusividade celebrados entre distribuidoras bandeiradas e postos e o compartilhamento de bases de distribuição e implementar políticas que visem a instalação no mercado nacional de novas refinarias ou a elevação da produção de etanol hidratado, biodiesel e outras fontes energéticas substitutas do petróleo”, sugere.
Operador de renda variável da WIT Invest, Ricardo Carneiro observa que um eventual aumento nos preços dos combustíveis, causado pelo fim da desoneração, geraria um impacto negativo na popularidade do presidente Lula. “Isso geralmente não é um bom sinal para quem está começando um mandato porque ele ainda vai precisar aprovar várias medidas. Provavelmente, ele teria que aliviar em alguma outra política pública para diminuir a insatisfação popular e não piorar seu índice de popularidade. O governo em si não está muito preocupado com a desvalorização da Petrobras. Eles têm muito mais a ganhar, do ponto de vista político, utilizando a estatal como ferramenta de política pública, por exemplo para abaixar o preço dos combustíveis. Observando as falas do Jean Paul Prates, podemos esperar que eles diminuíam a parte de refino da Petrobras para tornar esse combustível um pouco mais barato. Todavia, a gente não sabe quais serão os próximos passos. Se eles mudarem a política de preço, é preciso avaliar se haverá subsídios da Petrobras ou por parte do Executivo, mas não é um bom sinal. O preço tem que flutuar de acordo com o mercado. Dependendo do nível que o petróleo e a gasolina chegarem no mercado internacional, isso pode afetar duramente o crescimento brasileiro, especialmente a inflação. Logo, impacta a popularidade do Lula e pode impedir a progressão de algumas pautas importantes para o governo”, afirma.
Observando o impacto das ações do governo na Petrobras, grande responsável pela produção de matéria-prima dos combustíveis no Brasil, André Meirelles indica que, dentre os fatores que levaram a desvalorização das ações da empresa, estão a proposta de mudança na Lei das Estatais e o provável fim do PPI. “Para ancorar as expectativas em torno das estatais, é necessário que os investidores tenham confiança na gestão dessas empresas. Isso pode ser feito, por exemplo, com a indicação de nomes técnicos para composição da gestão da empresa. O PPI mantém o mercado brasileiro integrado com o internacional, o que traz confiança e transparência para os investidores. A consequência disso é a atratividade para os investidores, não só na Petrobras diretamente, mas nas empresas estrangeiras que desejam investir no país. O que de fato atrai os investidores é previsibilidade e transparência. A mudança na política de preços poderia resultar na redução do preço dos combustíveis no mercado interno, pelo menos no curto prazo. Em contrapartida, apesar de o Brasil ser um grande exportador de Petróleo bruto, ainda não somos autossuficientes na produção de derivados. Dessa forma, no pior dos cenários, o país poderia passar por uma crise de abastecimento e essa é a principal questão que deve ser levada em conta na hora de elaborar uma nova política de preços. Além disso, o uso do PPI traz integração entre produção e refino, pois o petróleo é um custo para o refino. Então, a disparidade de preços causa um vácuo entre essas duas partes da cadeia produtiva, resultando em prejuízos para empresa. No final quem paga essa conta é o investidor”, afirma.
Já Rodrigo Zingales observa que a economia brasileira ainda é altamente dependente da gasolina e do diesel e, com o controle da Petrobras, o governo ainda possuirá algum tipo de poder para orientar os preços desses combustíveis no mercado nacional. “Com a privatização, esse controle deixará de existir. Nos EUA, por exemplo, onde a exploração e o refino encontram-se nas mãos da iniciativa privada, o governo estadunidense está sendo obrigado a desembolsar aos proprietários de refinarias milhões e milhões de dólares para elevar a oferta interna de combustíveis e, consequentemente, tentar frear as altas nos preços da gasolina e do diesel. Este desembolso de recursos claramente prejudica a população norte-americana e o bem-estar social, pois poderiam estar sendo aplicados em outras ações de cunho mais social, trazendo apenas vantagens aos acionistas privados dessas refinarias. Talvez a maior preocupação dos acionistas da Petrobras tenha sido o temor de um possível retorno de práticas de governança “duvidosas” e que levaram ao desvio de vultosas somas de dinheiro da empresa. Os últimos anos demonstraram que o combustível tem sido um ponto fraco para todas as economias e países do mundo, e isso não será diferente para o governo Lula. É fundamental que este novo governo defina e expresse o mais rápido possível as medidas que pretende implementar para garantir maior oferta de gasolina e diesel, redução nos seus preços internos e, especialmente, um plano para atração de investimentos na instalação de novas refinarias e distribuidoras, além de fomentar e ampliar a concorrência nos diferentes elos dessa cadeia”, indica.
Fonte: Jovem Pan